PADRE GABRIELE AMORTH
Exorcista da diocese de Roma.
1ª- Pergunta –
Gostaria de saber se, na sua perspectiva, existem traços típicos que caracterizam as pessoas que, mais tarde, apresentam sintomas de possessão; ou seja, se, entre as pessoas por si diagnosticadas como endemoninhadas, existiam anteriormente
comportamentos que as tornavam mais vulneráreis? Ou se a possessão atinge as pessoas ao acaso. Pergunto-lhe ainda se estes fenômenos de possessão também se verificam em ateus ou declaradamente ateus. Uma última curiosidade: já li qualquer coisa a respeito de perturbações especificas ligadas a estes fenômenos, como, por exemplo, a glossolalia (capacidade de falar em línguas desconhecidas) ou a levitação. Já observou casos destes?
Resposta – São várias perguntas interessantes. Começo pela última curiosidade. Sim, já encontrei fenômenos de pessoas que durante os exorcismos falavam outras línguas ou línguas estranhas; também presenciei fenômenos de levitação e de força gigantesca. Mas estes fenômenos sozinhos não são suficientes para poder se afirmar se o caso é de possessão diabólica; são necessárias condições especiais e a integração com outros elementos de avaliação.
Um exorcista está habituado a ver fenômenos estranhos em grande quantidade e de tal maneira que se não os tivesse visto não acreditaria neles. Como, por exemplo, pessoas que durante os exorcismos cospem pregos, vidros, madeixas de cabelos, as mais variadas coisas.
Ou, então, a presença, em travesseiros ou colchões, de ferros retorcidos, de cordas com nós, de trançados muito apertados em forma de terço, de animais pré-históricos feitos de material semelhante ao plástico… O caso mais grave que estou acompanhando é o de uma pessoa de quem o demônio disse que fará vomitar um aparelho de rádio; já vomitou quase dois quilos de material.
Destaco que os objetos vomitados se materializam no instante em que saem da boca. Observei isso claramente num jovem que cuspiu pregos na mão; até o último instante tive sempre a impressão de que cuspia saliva. Assim se explica por que razão a pessoa nunca tem danos físicos, mesmo quando cospe pedaços de vidro grosso e cortante. São fenômenos paranormais. É importante levar em conta a modalidade; certos objetos que encontramos nos travesseiros são sinais evidentes de feitiços, ou seja, são resultados de malefícios.
Respondo agora à primeira pergunta: todas as pessoas podem ser atingidas pela possessão diabólica de manifestação, principalmente os descrentes, os ateus, os não praticantes, porque se encontram mais indefesos.
E o exorcista pode exorcizar quem quer que seja: aos meus serviços, por exemplo, já recorreram muçulmanos, budistas, pessoas sem qualquer tipo de credo religioso. Naturalmente, ao pediram a cooperação necessária, me adapto de acordo com a pessoa que tenho à minha frente: recomendo a cada qual que siga com fidelidade a própria fé religiosa ou as suas convicções morais.
Não existem predisposições dependentes, por exemplo, a fragilidade do sistema nervoso ou a hereditariedade.
Pelo contrário, existe o perigo de que uma pessoa se exponha à possessão diabólica, por exemplo, freqüentando sessões de espiritismo ou seitas satânicas. É importante saber que a possessão diabólica não é um mal contagioso: não existe perigo algum, nem para os familiares, nem para os lugares que freqüentam. Pode se casar, ter filhos, sem nenhum perigo de contágio. Podemos dizer, de um modo geral, que o demônio não pode nos fazer nada sem o nosso consentimento.
Por exemplo, veio me procurar uma moça que, por pura curiosidade, tinha assistido a uma missa negra. Não conseguia estudar, se concentrar e tinha crises repentinas de violência, como nunca havia acontecido antes. Neste caso, a causa era evidente e era uma causa culpável.
A respeito da culpabilidade, excetua-se o campo dos malefícios, em que agora não me aprofundarei por ser um campo bastante vasto e que foge do nosso tema principal. Diga-me se respondi suficientemente a todas as suas questões.
Pessoa que formulou a pergunta
- Sim, sinto-me satisfeito. (Esta é sempre a gentil declaração que ouço após as minhas respostas, por isso, de agora em diante não voltarei a repeti-la. Digo apenas, com a fraqueza que me é habitual, que encontrei mais interesse e mais crédito ao falar a estes grupos de psiquiatras, do que quando falo a grupos de sacerdotes.)
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2ª- Pergunta –
Sobre algumas coisas, admito que estou de acordo com o padre Amorth. Mas já não concordo em considerar equivalente, num certo sentido, a Igreja e o manicômio: o primeiro, como lugar do exorcismo contra o demônio, o outro, como lugar da cura da loucura. Concordo que ambos trabalhem em função do homem.
Procedo do positivismo médico; sou um descrente. Mas acredito no homem, por isso, de um ou de outro modo, trabalhamos para o mesmo fim; o senhor, padre, com o exorcismo e nós, de outra maneira.
Os psiquiatras, por vezes, foram acusados de não saberem fazer a distinção entre uma alucinação, um efeito paranormal e um estado de êxtase. É sempre bom esclarecermos, porque ninguém tem o monopólio do saber. Vem à minha mente a frase de Hamlet: “Existem mais coisas entre a terra e o céu do que as que sonha a nossa vã filosofia”. Por isso que é sempre necessário muita humildade.
Tenho que destacar a prudência que o padre Amorth demonstra. Eu tenho uma paciente que foi ao seu encontro porque supunha que estava possuída pelo demônio. Percorrendo o itinerário que a tinha levado ao exorcista, tive dificuldade em perceber por que razão o padre Amorth não a tinha exorcizado, enviando-a, ao contrário, a um psiquiatra.
Depois, lentamente, fui percebendo a razão: existem duas estradas a percorrer. A sua tarefa é a de expulsar os demônios, a minha é a de reconstruir a pessoa. Esta pessoa, que não é psicótica nem neurótica, teve necessidade de passar pelo padre Amorth antes de chegar até mim. E compreendo também a importância da fé. Todos nós poderemos constatar que temos extrema facilidade em curar pessoas que têm fé.
Alguns dos casos mais difíceis que tratei foram, precisamente, de casos de padres deprimidos. Gostaria de concluir dizendo que existem seguramente pontos de contato entre o exorcista e o psiquiatra, mas também entre o psiquiatra e o médico tradicional.
Resposta – Obrigado pela sua intervenção. Realmente é necessário mútua compreensão para sermos ainda mais úteis para os doentes. Descobrem-se mundos novos. Coisas difíceis de acreditar. Certo dia, o padre Cândido estava exorcizando uma moça, estudante universitária, que apresentava sintomas certos de possessão diabólica, mas também sinais certos de desequilíbrio psíquico.
O padre Cândido pediu ajuda a um amigo e marcaram um encontro. O psiquiatra tinha uma escrivaninha que era muito grande e, por isso, a moça estava sentada à sua frente mas ainda bastante distante. No fim da conversa, o psiquiatra disse a ela: “Menina, vou receitar estes medicamentos para você”, e começou a escrever a receita.
Nesse momento, aconteceu um fato estranho. Sem se mexer da cadeira, a moça esticou o braço, que ficou muito comprido sob o olhar estupefato do psiquiatra (“quase dois metros”, dirá ele mais tarde), pegou a receita que o médico estava preenchendo, rasgou-a e atirou-a para o cesto de lixo dizendo com voz profunda: “Esta porcaria não me serve para nada”. O padre Cândido ria muito ao contar do susto que tinha passado o seu amigo médico, que nunca mais quis saber nada da moça, nem de nenhum outro paciente do exorcista.
São fatos perante aos quais um exorcista não se espanta, pois está constantemente acostumado a lidar com eles. Mas é bom que também o psiquiatra os conheça para poder intervir no âmbito que é de sua competência.
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3ª- Pergunta-
Antes de mais nada, quero agradecer ao padre Gabriele Amorth por tudo o que nos disse. A minha pergunta é estritamente técnica a respeito da função do psiquiatra nesses casos. Gostaria de saber qual a responsabilidade individual destas pessoas, que interesses tem o demônio; as causas que levam uma pessoa ficar possuída pelo demônio.
Resposta – São três perguntas muito interessantes e sinto ter de resumir as respostas em tão pouco tempo. Começo pela última pergunta, que também esclarece a primeira. São quatro as causas que podem levar à possessão diabólica ou a perturbações de natureza maléfica; duas causas são inculpáveis; por isso não existe responsabilidade; duas causas são culpáveis; por isso a responsabilidade humana é evidente.
A) Pode se tratar de simples permissão de Deus, do mesmo modo como Deus pode permitir uma determinada doença. A finalidade é dar à pessoa uma oportunidade de purificação e de méritos. Poderia apresentar uma longa lista de santos e de bem-aventurados que sofreram períodos de possessão diabólica (Santa Gemma Galgani, a bem-aventurada Ângela de Foligno, o bem-aventurado Padre Calábria…). Pode se tratar apenas de perturbações maléficas, tais como pancadas, quedas ou coisas semelhantes; temos exemplos famosos deste tipo de fenômenos na vida do Santo d’Ars e do Santo Padre Pio.
B) A causa pode ser dada por um malefício de qual se é vítima: não há culpa por parte da vítima, mas existe culpa por parte de quem o provoca. Até mesmo a pessoa mais inocente (por exemplo, um bebê ainda no seio materno) pode ser atingida por um maléfico, que é definido como: fazer mal por meio do demônio.
E pode ser colocado em prática de muitas maneiras: feitiço, pactos, maldições, mau-olhado, macumba… Aqui entramos no grande campo da magia e da bruxaria, que nos levaria para longe do nosso tema. Limito-me a dizer que Deus criou o homem livre; livre até de fazer mal às outras pessoas. Assim como posso pagar a um assassino para que mate uma determinada pessoa, do mesmo modo posso pagar a um indivíduo ligado ao demônio para que faça um malefício contra alguém.
C) Freqüentar pessoas e lugares perigosos. Quem consulta magos, cartomantes, bruxos; quem participa em sessões de espiritismo ou faz parte de seitas satânicas; quem se dedica ao ocultismo, à necromancia (mesmo sob a forma de psicografia, atualmente muito difundida): todas estas pessoas se expõem ao risco (embora na maior parte das vezes não sofra as conseqüências) de receber influências maléficas e mesmo a possessão. É evidente nestes casos a plena responsabilidade do indivíduo, por vezes provocada com absurda vontade: por exemplo, no caso do pacto de sangue com o diabo.
D) Também a quarta causa implica plenamente a responsabilidade do indivíduo. Pode-se cair em malefícios pela persistência, em culpas graves e múltiplas. Creio que é o caso evangélico de Judas, de quem se diz no fim: “Satanás entrou nele”. Tive casos de jovens usuários de droga e sobretudo culpados de delitos e perversões sexuais, culpas graves e persistentes que os tornaram escravos do demônio. Também já experimentei a grande dificuldade que é libertar mulheres que, para além de outros motivos que tinham provocado a possessão, tinham realizado abortos.
Respondo, enfim, a segunda questão: que interesse tem o demônio. Nenhum interesse, mas age por pura perfídia. É a verdadeira falsidade demoníaca, que quer o mal pelo mal, mesmo em próprio dano. Certo dia, interroguei um demônio: “Você paga com um aumento de penas eternas todos os sofrimentos que provocas a estas pessoas. Tem todo o interesse em ir embora o mais rápido possível”. Respondeu-me: “Não me interessam as penas que tenho de sofrer; me basta fazer sofrer esta pessoa e destruí-la”.
Nós podemos compreender, mesmo desaprovando, o delinqüente que mata um homem para o derrubar. Mas nunca chegaremos a compreender a perfídia do demônio que se encarniça contra o homem, eventualmente com o objetivo de desprezar Deus, travando os seus planos de felicidade e bem, mas em dano próprio.
4ª- Pergunta –
Na minha longa experiência sempre me abstive de fazer investigação como curioso; procurei sempre, pelo contrario, manter-me atualizado. Hoje vim aqui a convite do prezado Doutor Tamino; e, no entanto, comecei a anotar muitas coisas e a surgirem muitas dúvidas. Vou apresentar apenas algumas.
Antes de tudo, está fora de questão que o psiquiatra, mais do que todos os outros, tem de ter consciência dos enormes limites da ciência. Lembro-me de um grande estudioso francês que falava das vantagens da ignorância, ou seja, de considerar-se ignorante; quando uma pessoa se considera sábia não aprende mais nada.
Gostaria que me dissesse mais alguma coisa a respeito da possessão e dos malefícios. E também a respeito da colaboração que se requer do endemoninhado para que seja curado, o que isso significa? Já tive experiência destas possessões e gostaria de saber, também, a opinião dos outros: é que entre as formas que já encontrei na minha vida profissional e as que hoje aqui foram relatadas, há bem pouco em comum.
Resposta –
Muito obrigado. Certamente que o pouco tempo disponível não permite responder completamente a questões tão profundas. Aquilo que relatei não combina com a sua experiência. Seria interessante fazer uma comparação, porém, limito-me a uma observação: os fatos naturais são caracterizados por uma certa repetição que, no fim das contas, permite a formulação de leis, de critérios, também em campo médico.
Deste modo, a partir da experiência, nasce a ciência. Mas aqui não. Não existem dois casos iguais. Mesmo entre exorcistas, as experiências são de tal maneira diferente que por vezes é difícil entendermos.
Mais algumas palavras a respeito da possessão, que é a forma mais grave.
O demônio é puro espírito, na realidade, é uma força demoníaca que se apodera de uma pessoa e fala ou age servindo-se dos órgãos desta pessoa, mas valendo-se do seu conhecimento e força. Por isso pode revelar coisas ocultas; pode falar todas as línguas ou línguas que desconhecemos; pode manifestar uma força extraordinária, impossível, humanamente falando.
Um amigo, exorcista em Roma há muito tempo, estava exorcizando um jovem numa Igreja. A certa altura, este jovem levantou-se e começou a subir, a subir até que a sua cabeça tocou no teto da Igreja. Imaginem o terror que experimentaram os que presenciaram a cena, o medo de que o seu familiar caísse de repente e se arrebentasse no chão. O exorcista fez um gesto para tranqüilizá-los e continuou firme com o exorcismo, como se nada de mais estivesse acontecendo.
Mais para o fim das orações, aquele jovem começou a descer lentamente e, no final do exorcismo, já estava de novo sentado. Não percebeu nada. São fenômenos que ocorreram, e que não podem ter explicação natural. Mais difícil é verificar a relação com os malefícios.
Já a Bíblia diz, no livro do Êxodo, quando descreve que os fatos prodigiosos que Moisés realiza perante o Faraó, por ordem de Deus e com a força de Deus, também são realizados pelos magos, com a força do demônio: transformar a água em sangue, o bastão em serpente, provocar a invasão de rãs… O demônio também tem o poder de provocar doenças.
Jesus curou muitos surdos e mudos, que tinham sido atingidos por malefícios; certa vez, curou um surdo-mudo expulsando o demônio que tinha se apoderado dele: neste caso, o mal era resultante de uma presença demoníaca.
O padre Cândido, com seus exorcismos, curou muitas doenças e, até, tumores no cérebro. Já me aconteceu, várias vezes, fazer desaparecer cistos dos ovários, na véspera de uma operação. Naturalmente que são fatos que ocorrem apenas a pessoas já afetadas por malefícios.
O Evangelho sugere o critério: a árvore é conhecida pelos frutos. Até os médicos, muitas vezes, fazem experiências com os medicamentos e percebem que, se um dá resultado positivo, prosseguem com esse tratamento; caso contrário, substituem-no. Eu costumo ser abrangente na administração dos exorcismos e, depois, para avançar, me prendo ao efeito provocado.
Uma palavra também sobre a colaboração que se espera de uma pessoa possessa. Estamos em um campo no qual a cura é a oração, é a intervenção divina. Por isso, pedimos a quem é vítima de malefícios que se reconcilie com a lei de Deus (freqüentemente o ponto de partida é uma boa confissão), que intensifique a oração e a freqüência aos sacramentos, que aprofunde a própria cultura religiosa. E estes meios comuns da graça não são apenas de ajuda; por vezes, são suficientes para fazerem cessar as perturbações.
5ª- Pergunta – Existem possessões mais ou menos graves? O demônio pode dar poderes, benefícios?
Resposta – Existe uma vasta série de possessões diabólicas, diferentes em intensidade e em manifestações. Existe diferença de intensidade.
Veio me procurar, uma jovem de 15 anos, que há alguns dias tinha ido assistir, por curiosidade, a um ritual satânico. De volta para casa, ficou furiosa, dava pontapés e arranhava os familiares que procuravam detê-la, cuspia neles.
Foram suficientes poucos minutos de exorcismos para que fosse completamente libertada. Outras vezes, somam-se várias causas, em diferentes idades da vida, e quando a pessoa vem procurar o exorcista é necessário sanar toda uma série de feridas, exigindo, deste modo, um tratamento de muitos meses, freqüentemente muitos anos, para atingir a plena libertação.
Existem também grandes diferenças nas manifestações externas. Cito dois casos extremos. Há pessoas que se tornam furiosas, com uma força sobre-humana, gritam e procuram se atirar contra os presentes; contudo, também já tive casos de absoluta imobilidade e silêncio, com uma total falta de reações externas, que exigiram grande esforço e a colaboração de muitos elementos para compreender que se tratava realmente de uma possessão diabólica. Entre estes casos extremos, há espaço para uma série de variações intermediarias.
Outra situação é a de quem consegue realizar completamente os seus compromissos profissionais e familiares, e afazeres de modo que ninguém tome conhecimento do seu mal; diferente é a condição de quem não é capaz de fazer nada, de quem tem necessidade de assistência contínua e, por isso, sente um tédio mortal para com a vida.
Passando à outra pergunta: sim, o demônio pode dar poder e benefícios. É o que faz, por exemplo, com todos os magos e bruxos: o poder da adivinhação e de provocar perturbações; pode também dar vantagens materiais de riqueza, sucesso, prazeres.
Mas uma vez que o demônio apenas pode fazer mal e querer o mal, combina sempre estes dons com grandes sofrimentos. Por isso, aqueles que pedem dons a satanás fazem um péssimo negócio: vivem o inferno já nesta terra e, se não se converterem, irão vive-lo na outra vida também.
6ª- Pergunta – Vamos dar um exemplo: uma pessoa possuída pelo demônio recebe um mal físico que exige intervenção cirúrgica; quais são as conseqüências?
- Pode haver conflito entre um exorcista e um médico, com evidente prejuízo ao paciente, se o exorcista considerar que se encontra diante de um malefício, que pode ser curado com o exorcismo, e o médico considerar, pelo contrário, que se trata apenas de um mal natural, que deve ser curado por via médica?
Resposta – São possíveis surpresas, mas não são possíveis conflitos entre médicos e exorcistas. Esta, pelo menos, é minha experiência pessoal e dos exorcistas que conheço.
Surpresas: tive alguns casos nos quais o cirurgião, dando continuidade aos preparativos para a operação, não encontrou nada daqueles males que as análises, a ecografia, a TAC e a ressonância magnética revelaram. Em todos os casos, havia um mal (por exemplo, cistos), mas que surgiram imediatamente após a operação. Mas são casos muito raros.
Já no que diz respeito à possibilidade de conflito entre médicos e exorcistas, nunca tive conhecimento de nenhum. Isto porque, fundamentalmente, trabalham em campos diferentes. Jamais me senti no direito de dizer a um médico o meu parecer, ou de interferir nas decisões dele. Na maior parte das vezes, tive casos em que suspeitava de malefícios e esperava que se evitassem determinadas intervenções cirúrgicas; e, de fato, ocorriam mudanças nos dados das análises, o que levava os cirurgiões a decidirem não intervir.
Posso dizer que me encontrei muitas vezes a colaborar, indiretamente, com os médicos, sem que nunca nos encontrássemos e sem que eles soubessem da minha existência ou do fato que o paciente recebia exorcismos realizados por mim. Creio que este também é um importante ponto de encontro, embora inconsciente: o respeito mútuo que faz com que cada qual atue na própria área de intervenção; e o encontro é dado pelas vantagens que o doente recebe, sendo beneficiário tanto dos cuidados médicos como da intervenção dos exorcistas.
7ª- Pergunta – Uma curiosidade pessoal. Gostaria de saber com que critérios de escolha é que chegou a este tipo de atividade, e se sofreu danos pessoais. E, antes ainda, gostaria de saber da cultura, do ambiente onde vive; por exemplo, a comparação de alguém que vive em Londres com alguém que vive em uma tribo africana.
Resposta – Considero muito importante fazer estas distinções.
A cultura pessoal e o ambiente, mais ou menos avançado, em que se vive, não têm nenhuma influência nem sobre as eventuais perturbações, não têm nenhuma influência nem sobre as eventuais perturbações, nem sobre os remédios que as pessoas procuram nos exorcistas ou nos magos e nos bruxos.
Tanto nós, como eles, somos visitados por operários, agricultores, domésticas, profissionais liberais, industriais, políticos… Tive o caso de um engenheiro eletrônico que tinha pago vinte mil euros por um amuleto (um saquinho com um cordel cheio de nós), que devia tê-lo libertado de todos os seus problemas.
O progresso técnico e a cultura não têm qualquer influência; verificamos a existência deste fato por todo o lado: tanto na Inglaterra como em Portugal, nos Estados Unidos como na África ou na Índia.
Sabemos que no mundo tecnicamente mais evoluído, a página dos jornais diários mais lida é a do horóscopo; foram feitas estatísticas bem precisas a este respeito.
Não esqueçamos que a luta contra o demônio e contra os espíritos maléficos foi sempre conduzida, junto de todos os povos, ainda antes que existisse o povo judeu; naturalmente que cada qual seguia as convicções e os métodos do seu ambiente cultural.
O surgimento do cristianismo e de outras grandes religiões tiveram escassa influência na mudança da mentalidade.
Agora respondo à pergunta sobre como me tornei exorcista. Foi por acaso; não foi uma escolha minha. Tinha ido visitar o Cardeal Hugo Poletti, para cumprimentá-lo e alegrá-lo um pouco com a minha maneira brincalhona de ser, quando no meio da conversa surgiu o nome do padre Cândido Amantini: Você conhece o padre Cândido: Doente como está precisa mesmo de alguém que o ajude”.
Começou a escrever numa folha (evidentemente que me conferia a condição de exorcista), sem prestar atenção aos meus protestos. Acrescento também que danos à minha pessoa nunca sofri; trato o demônio com a autoridade porque é ele que tem medo de mim e de qualquer homem, criado à imagem de Deus. Muito mais, tem medo de um cristão, que a partir do Batismo ficou com o selo da Santíssima Trindade.
8ª- Pergunta –
Muitas pessoas falam demais sobre os demônios. Porque não falar, igualmente, dos espíritos bons, já que também existem?
Resposta – Você tem razão. O demônio sempre se fez notícia; os anjos, pouco. Recordo-me daquele provérbio chinês, que agora também está de moda entre nós: “Faz mais barulho uma árvore que cai do que uma floresta que cresce”.
Os anjos existem, são muito mais ativos do que os demônios e, na outra vida, poderemos verificar de quantos perigos nos defenderam; até de perigos materiais.
Quando penso, por exemplo, nas imprudências e nos riscos que consegui superar em quarenta anos da carta de habilitação, conduzindo nem sempre da maneira mais correta, tenho mesmo que agradecer ao meu anjo da guarda.
Mas tomar consciência do bem é mais difícil do que percebermos o mal. Até no campo dos males físicos: lamentamo-nos se temos um mal (por exemplo, dor de dentes) e não pensamos em todos os nossos órgãos que funcionam bem.
Agradeço à pergunta que me apresentou porque me permite recordar que os anjos existem; defendem-nos dos perigos, dão-nos boas inspirações, ajudam-nos nas nossas atividades, apóiam-nos na adversidade. É realmente injusto não falar mais sobre eles.
9ª- Pergunta – Mais uma pergunta sobre a ação do demônio. Certamente que não tem interesse algum em encontrar-se com um exorcista. Gostaria de saber se os endemoninhados vêm ao seu encontro espontaneamente ou a força.
Resposta – A pessoa endemoninhada sofre, e deseja ir ao encontro do exorcista para ser curada, ou seja, libertada. Mas é verdade que encontra dificuldades, especialmente no último momento. Em muitos casos, se os atingidos não forem ajudados não conseguem chegar ao exorcista.
Durante os exorcismos o demônio fica mais feroz do que em qualquer outro momento. E então, antes de começar o exorcismo, começam as perturbações. Há quem chegue até mim serenamente e não apresente dificuldades iniciais; há quem chegue até mim em estado de transe, tendo sido mesmo arrastado a força durante a última parte do trajeto; há quem gostaria de fugir enquanto espera pelo exorcismo, e fugiria mesmo se não fosse agarrado. E há quem sai de casa para vir se encontrar comigo, mas depois não consegue mudar a direção.
Depois, e de um modo geral, no fim do exorcismo as pessoas regressam as suas casas, serenas, contentes por terem vindo; em todo o caso, mesmo percebendo as vantagens do exorcismo, sentem tantas dores durante o desenrolar do ritual que acabam até dizendo: “Aqui é que eu não volto mais!” Mas, pelo contrário, são as pessoas mais fieis em regressar.
Acrescento que é muito importante o auxílio que depois o possuído dá a si próprio (através da oração, da freqüência aos sacramentos…) ou que recebe dos outros: bênçãos, orações de libertação, etc.
10ª- Pergunta – Mas é assim, tão importante, a colaboração da pessoa endemoninhada? Se há uma presença externa que não depende dela, deveria poder ser libertada.
Resposta – Sim, a colaboração é muito importante. Eu costumo dizer, dado que já quase toda gente tem experiência destas coisas, que é um pouco como libertar um toxicodependente: se colaborar pode chegar à cura, caso contrário, não. Digo-o também ao interessado: a luta e a vitória contra o demônio é você quem a conduz; é você que se liberta, eu apenas posso lhe ajudar. Porque aqui é necessário a ajuda de Deus: quem liberta é o Senhor. E obtém-se auxílio quando se reza e quando se afastam os obstáculos a ação da graça: por uma injustiça grave que deve ser reparada. Para obter o auxílio de Deus a oração é fundamental. Digo muitas vezes que o maior obstáculo que nós exorcistas encontramos é a passividade das pessoas, a pretensão de ser libertado sem o esforço próprio.
11ª- Pergunta – Gostaria de voltar à tipologia de fenômenos de que se falou, como a glossolalia, a levitação, etc. São fatos que me impressionam porque já pude observá-los em outro contexto completamente diferente do da possessão diabólica; encontramos exemplos destes fenômenos na literatura psicanalítica.
Carl Jung fala a este respeito e dá uma explicação em que formula a hipótese de forças e energias que se libertam. Parece-me que o Padre Amorth faz a distinção entre fenômenos demoníacos, fenômenos paranormais e fenômenos psiquiátricos. Esta distinção baseia-se numa evidente diferenciação fenomenológica que, porém, possui igual substancialidade energética, ou trata-se de uma diferenciação substancial em que se liberta uma energia totalmente diferente, de outra natureza?
Resposta – A diferença é substancial porque há uma substancial diferença de causa. Nos fenômenos de natureza maléfica, a causa é a presença do demônio e a eventual energia que se liberta provém do demônio. Por isso, só a oração e os exorcismos não são eficazes e os males continuam, quer dizer que a causa é diferente: psíquica ou parapsicológica. Por isso, não se trata de energias de intensidade diferente, mas de energias de natureza diferente, de proveniência diferente.
12ª- Pergunta – No caso que citou, do levantamento de um grande peso, pareceu-me entender que na sua perspectiva não existe uma diferente intensidade de força, mas trata-se apenas de um fenômeno de natureza diferente.
Resposta – Exato. Neste momento, estamos perante a dificuldade que existe em catalogar determinados fenômenos. Porque mesmo que a fenomenologia seja idêntica, a causa pode ser substancialmente diferente.
Foi por este motivo que citei o exemplo bíblico de Moisés que, com a força de Deus, realizava os mesmos prodígios que depois dos magos egípcios realizavam com a força do diabo. Podemos-nos encontrar perante dois fenômenos idênticos: um de caráter maléfico e o outro de caráter paranormal.
Como podemos distinguir a causa que os diferencia? Antes de mais a modalidade de manifestação. Por exemplo, se uma pessoa manifesta uma força anormal apenas durante o exorcismo. E, mais, se existem, eventualmente, outros fenômenos suspeitos. Por exemplo, se a mesma pessoa, durante os exorcismos, quando é aspergida com água-benta, reage como se estivesse a ser queimada.
Certamente que isto não acontece com pessoas que estão experimentando certos fenômenos de caráter parapsicológico. Acrescento ainda: a eficácia dos meios de cura.
Se uma pessoa age sob a influência de poderes maléficos, os exorcismo produzem efeito na pessoa, enquanto que as outras curas de índole natural não produzem efeitos.
A ciência médica e os poderes parapsicológicos (como a pranoterapia, por exemplo) influem sobre os poderes naturais, mas não produzem qualquer efeito sobre os maléficos. Também por isto se vê que a diferença é substancial e não apenas fenomenológica.
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